segunda-feira, 30 de novembro de 2009

CB - Amiga imaginariamente real



Ok, eu reconheço.

Você nunca me emprestou um batom.
Eu nunca lhe emprestei um cd.
Você nunca me passou cola.
Eu nunca lhe ensinei matemática.
Nós nunca nos maquiamos no mesmo espelho para irmos à mesma balada.
Você nunca me ligou de madrugada porque levou um fora do namorado.
Eu nunca pedi que mentisse para a minha mãe quando viajei escondido.
Você não foi convidada para o meu chá-de-cozinha, mesmo porque, não houve um.
Você não foi minha madrinha e nem sequer foi ao meu casamento.
Nunca chorei no seu colo, nem você no meu.
Não foi você quem me emprestou o secador de cabelos e aquele scarpin bicolor, nem com quem andei de moto sem habilitação.
Você não veio visitar o meu filho quando ele nasceu.
Eu não liguei para você parabenizando-a pela linda menina.

Eu admito.

Para trás, só um papel em branco sem letras, sem história.
Nunca houve um bolo de aniversário compartilhado, uma música para relembrar coisa alguma.
Para trás, só um vazio.
Não há fotos, não há vídeos, nem papeizinhos de bala.
Nenhuma pulseira trocada, nenhum caderno de recordações com poesias adolescentes, nenhum anel prometido.
Nenhum recado na geladeira: “Sua amiga ligou, pediu para retornar até as 22:00h”.
Para trás, só dois mundos diferentes e distantes.

Eu assumo.


Não há cores, não há movimento, não há música.
Fui perguntar ao Aurélio, e ele prontamente me respondeu:

Amizade
s.f. Afeição, estima, dedicação recíproca entre pessoas do mesmo sexo ou de sexo diferente: laços de amizade. / Amor. / Acordo: tratado de amizade. / Benevolência, favor, serviço: provas de amizade. / Simpatia de certos animais pelo homem: a amizade do cão pelo dono.

Ok, menos mal, nenhuma referência a tempo ou quantidade de conhecimento recíproco.

Eu reafirmo.

“... Por que que esta pessoa que eu não conheço está orando por mim ? Por que não estão orando por mim meus parentes, meus filhos, meus amigos?

Naquele instante ele percebe, o ser que está recebendo a prece, que realmente a amizade não está ligada aos elos biológicos, amizade é o amor sublimado, na sua mais alta essência divina. Amizade é o sentimento mais puro que envolve a terra. Amor e paixão passam em várias experiências reencarnatórias, mas, a amizade é a companheira de sempre, nas alegrias de sempre”

Bezerra de Menezes

Eu recuo.


Ok, eu tenho pressa. Sou poli-tarefa e multimídia. Peço desculpas verdadeiras. Não perguntei e fui fazendo. Parti de premissas não acordadas. Acelerei. Invasão MST = MOVIMENTO SEM TATO. Mais uma vez, me desculpe nesta e nas próximas vidas.

Eu volto atrás.

Largo o Aurélio, o Michaelis e a Wikipedia.
Opto pela aceitação de meu sentimento unilateral. Fico feliz do mesmo jeito. Sou fácil de me encantar com as coisas.

Vou dormir com esta aqui.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Conversa com um filho que ainda não nasceu

Querido filho, saudações celestiais!

Espero que onde estiver esteja bem, comportando-se e comendo verduras.
Como você sabe, estive no médico no ano passado e ele me disse que é melhor ter o primeiro filho antes dos 35 anos. Como eu estava com 29, achei que estava tranqüila, tempo suficiente para os preparativos e a encomenda. Você viu como seu novo quarto ficou? Gostou das cores? E os nomes que selecionei? Show de bola, heim? Combinei direitinho com o papai, começamos o treinamento, fomos pro oficial, jogamos quase todos os dias e nada de você aparecer!
Poxa, filho, já se passaram meses e você nem me dá sinal de vida?

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Oi filho, já se passou mais de um ano e nada de você aparecer em casa... Estou preocupada, cansada e com medo de que você não venha. Mas como não temos muito mais tempo, vou direto no ponto (desculpe-me, mas preciso ser objetiva): estou tomando umas injeções muito doloridas (e caras) , fazendo ultrassonografia, esforçando-me muito...faço tudo o que o médico orienta.
Você está com medo de eu não ser uma boa mãe?
Ah, deve ser isso então. Ok, vou abrir o jogo com você. Quando eu for sua mãe, realmente não vou querer toalha molhada na cama e ai de você se deixar o shampoo destampado. Também vou controlar sua mesada e quem são os seus amigos. Vou vigiar o seu Orkut e limitar horários para o MSN. Ok, não sou tão chata assim...Também me programei para pescarmos juntos, estou aprendendo a fazer umas panquecas muito boas e prometo te ajudar na lição sem perder a paciência. Farei você dormir até o dia em que você não quiser mais (ou quiser dormir com outra pessoa). Também tenho uma boa dose de amor, carinho e atenção estocada só para você. Acho que provisionei tudo o que é necessário.

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Meu filho, vamos ter uma conversa séria: eu achei que tínhamos um acordo, cada um com a sua parte. Seu pai está engordando, não tem companhia para jogar bola! Ele está te esperando...Eu prometi a mim mesma que só iria andar na montanha-russa se fosse com você (ok, você não sabia disso, não é sua culpa...). Nossa casa é muito silenciosa e arrumada, precisamos que você venha logo para acabar com essa organização. Limpeza e ordem sozinhas, não trazem felicidade!
Você já tem quarto, nome, madrinha, poupança, enxoval, o que mais está faltando?
Ok, já entendi, você quer que depois da ejaculação eu erga os pés para cima por 40 minutos...Posso até ficar de ponta-cabeça, se você me prometer que é a última exigência. Ah, esqueci de comentar, estou medindo a temperatura corporal três vezes por dia.

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Ok, eu confesso. No meu plano materno, você só ia ter mesada após os 20 anos (quando não precisasse mais); ok, concordo em antecipar este item em 15 anos. Com 5 anos você começa a ter direito. Mas lembre-se sempre de que não sou sua amiga, heim, sou sua MÃE!
Mas por favor, pare de me fazer chorar todos os meses...a cada menstruação é como seu eu recebesse um SMS seu dizendo que não vem mais para casa...!

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Já se passaram mais de dois anos de nosso primeiro combinado. Filhinho, por favor, eu imploro:
a) Veja a sua caixa de entrada, deve ter uns 500 e-mails meus
b) Deixe o celular ligado, não consigo falar com você...esse negócio de vibra-call é para as futuras namoradas, não para a sua mãe!
c) O que mais posso fazer para você vir para casa?

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Ok, 3 anos de espera já é demais. Agora chega. Quero que o senhorito esteja em casa até as 22:00h e isto é uma ordem. Seu jantar está esfriando e não sou obrigada a ficar acordada te esperando. Venha logo e lembre-se: se beber, não dirija.

domingo, 15 de novembro de 2009

O presente - Puccamp

Uma semana antes de meu aniversário, eu o conheci. Aproveitei-me do fato para lhe dizer o dia em que nasci; não sei porque fiz isso, mas um lado extremamente consciente de mim pediu, e eu o fiz.

A partir desse momento, uma semana já não era mais sete dias seguidos. Uma semana era um, dois, infinitos pensamentos. Era um virar e revirar de idéias, ilógicas, sem início, pois não sei onde começa algo que ainda não conheço. Muito menos sei onde termina, se é que termina.

Uma semana voou, mas também, demorou. Uma semana foi só de riso, alegria, lágrimas e incertezas. Houve centenas de tomadas de fôlego, milhares de piscadas de olhos. Algumas horas impróprias dormindo, algumas horas próprias, acordada.

Imaginei todas as pessoas de quem eu provavelmente iria receber um presente. Entre elas, ele.

Tinha noção de todos os possíveis presentes, mas havia um inimaginável. Um presente de um remetente semi-desconhecido, para uma destinatária semelhante.

É tão difícil saber o que se passa dentro do nosso próprio universo...imagine fora.

Perguntei a mim mesma o que era um presente, o que isso significava. Respondi, sem pensar muito, que era um símbolo de carinho e afeição, de amor e amizade.

Definição bem contraditória, conclui.

Por várias vezes, eu mesma ofereci um presente sem nenhum significado especial, sem absolutamente nenhum sentimento mais profundo. Compreendi que em vários momentos me vali de um bem material para dizer absolutamente, nada. Lembrei-me de que muitos presentes que eu havia ganho ao longo da vida, pudessem ter esse mesmo teor, tão desvalorizado por mim agora.

Pensei em como um ato tão bonito, de repente pode se tornar uma coisa tão vazia, nua e crua.

Desejei um presente abstrato.
Um sorriso, um carinho, um abraço.
Uma palavra, um olhar, um gesto.
Uma hora no relógio.
Um dia no calendário.
Quis ser um número de telefone decorado.
Um espaço no pensamento de alguém e por um segundo, ser parte integrante da vida de outra pessoa. Mesmo que desconhecida.
Ser lembrada, quando ausente. Fazer falta, quando longe. Quis ser parte de um todo, o buraco que dá sentido à agulha.
Novamente uma semana voou e demorou.
Sem tempo, sem espaço.
Com sofrimento e suor.
Com ansiedade e porque não, dor.

Como pôde a expectativa por um presente, fazer-me imaginar, fazer-me esperar, levar-me ao meu próprio abismo, fazer-me julgar e ser julgada, jogar-me a sós com os meus leões, solitária nos meus mais profundos desejos, fazer-me ciente de minhas limitações?

O sétimo dia chegou.

Entrei na sala de aula, sentei-me. Abri o caderno. Ele chegou, sentou-se ao meu lado. Pegou o meu caderno, e em uma página usada, eu ganhei o meu presente, em letras lumicolor:

PARABÉNS!!

Ele assinou, datou e acabou-se.

Algo além do que podemos ver - ETECAP 1983

À medida em que caminhava pela rua, recordava-se de que havia três motivos para que fosse tão longe. Talvez o medo, a solidão e a timidez não fossem tão agudos quanto ela os imaginava. Mas, bastavam.

Doía. Ela tinha ansiedade em se esconder no subconsciente de seu universo, por detrás do muro, onde ninguém a visse. Passou um menino correndo, mas ela não olhou. Havia um parque e nele, vários casais drogados caídos no chão. Teve inveja. Se ao menos tivesse coragem...

Entrou na casa, despiu-se. Preparou-se com capricho. Um vestido que era um sonho, um brilho incontido nos olhos, os mesmos olhos angustiados de antes.

Pegou a agenda de telefones em branco e gritou bem alto o seu próprio nome, para sentir a emoção de ser chamada por alguém. Abraçou o próprio corpo, imaginando-se nos braços de um homem amado que nunca existiu. Afagou o bicho de pelúcia guardado para o filho que nunca teve.

Estava pronta.

O gato esgueirou-se ao ouvir o baque surdo de seu corpo.
O Jornal Nacional anunciava tempo bom para o dia seguinte.