sábado, 18 de fevereiro de 2023

Do Homo Sapiens ao Homo Office Digitalis – A transformação digital a domicílio


 Do Homo Sapiens ao Homo Office Digitalis – A transformação digital a domicílio

 

Teams. Fraldas. Google Meet. Panela de pressão. Zoom. Cachorro do vizinho. Whatsapp. Solidão. Power BI. Moletom. Agile. Palavras constantes no vocabulário do típico trabalhador que migrou para o trabalho em casa, o Homo Office Digitalis.

Nos últimos anos, muitas pessoas tiveram a vida profissional enquadrada na sala de jantar ou na sacada de seus apartamentos. De lá atendem clientes, elaboram projetos, participam de reuniões e interagem com os colegas, muitas vezes com câmeras fechadas. Aquilo que prometia ser a realização de um sonho e proteção, trouxe a sua dose de estresse e ansiedade. Delícia e dor. Bônus e ônus. Prós e contras. Vantagens e desvantagens.

Luzes diversas pululam o dia todo nas telas. Ora o Whatsapp piscando, ora os e-mails chegando, ora a chamada remota. Um tsunami de notificações. Além disso, paira o risco de uma reunião às 20h com a matriz ou mensagens de áudio durante a noite, porque o sistema parou. Não que isso não acontecesse antes, mas não acontecia na sala de jantar ou na cozinha com a  air fryer com batatas na potência máxima.

Não acontecia tendo que entrar numa reunião com o microfone ligado e o filho aos prantos pedindo colo ou a diarista passando aspirador de pó. Não acontecia com a panela de pressão chiando e o porteiro ligando porque a moto do Ifood chegou. Tudo ao mesmo tempo, junto e misturado.

Como não sucumbir à tentação de dar um tablet para o filho parar de chorar na hora da reunião, a famosa “chupeta eletrônica”? Como exigir que a limpeza seja feita sem barulho? Como controlar o volume animado das vozes ao fundo ou o funk do apartamento vizinho?

Muitos relatam trabalhar bem mais em comparação ao trabalho presencial. Mesmo com carga horária igual, a sensação de mais trabalho é real por conta da carga psíquica adicional por tantos agentes ansiogênicos: latidos, cortadores de grama, eletrodomésticos, TV ligada, conversas paralelas, café solitário, ausência de almoço no self-service com os colegas, discussões familiares outrora reprimidas, interfone que toca.

Os que têm casa cheia reclamam dos ruídos domésticos. Os que são sozinhos, reclamam da solidão. Os que demoravam no trânsito agora dormem horas a mais, porém reclamam da falta do contato físico e conversas olho no olho com os colegas. Muitos sentem nomofobia, checam o celular a todo momento e têm pavor de ficar sem bateria, incomunicáveis. Levam o aparelho ao banheiro para unir o útil ao fisiológico. Checam as notificações assim que saem da cama pela manhã. Caso tenham insônia, checam-nas de madrugada também.

Alguns perceberam que seus relacionamentos estavam falidos somente quando se viram vinte e quatro horas cara a cara com aquele estranho familiar. A presença excessiva jogou luzes sobre a ausência afetiva. A vida a dois estremeceu. Outros perderam a paciência com as crianças. O home office trouxe boletos psíquicos a pagar.

Não bastasse tudo isso, num rolar de telas para tentar relaxar, o LinkedIn traz a sensação de se estar sempre defasado perante o mercado, o Instagram escancara a vida glamourosa que os simples mortais não têm e o Tik Tok traz dancinhas e vídeos que proporcionam uma sensação de alegria líquida e fugidia.

Muitos se perceberam querendo a conveniência do lar, mas com o prazer da convivência com os outros. Evitar o trânsito, mas fazer coffee break com a equipe. O melhor dos dois mundos num mundo idealizado, utópico.

Como sujeitos desejantes, muitas vezes agimos assim. Desejamos aquilo que não temos e quando o conseguimos não o desejamos mais e passamos a desejar outra coisa. O sentimento de vazio e a falta aparecem. A falta, sempre ela, nos lembrando de nossa incompletude e nos fazendo seguir buscando e desejando na vida como um motor. Isso quando não nos paralisa.

A procura pela Psicanálise explodiu. Ansiedade, depressão, insônia, síndrome do pânico, burnout, são queixas que lotam os nossos divãs, agora também na versão online (sim, nós psicanalistas também estamos nos transformando digitalmente). As pessoas buscam por alívio para as suas angústias contemporâneas, a causa dos afetos que as circunstâncias atuais suscitam. Puro mal-estar na civilização digital.

A Psicanálise vai apontar que o caminho é cada um se implicar com o seu desejo, pessoal e intransferível. Parar de delegar sua satisfação e felicidade ao objeto imaginário que lhe falta, externo a ele, um alguém ou um algo. Haver-se com o próprio desejo é o compromisso mais genuíno que se pode firmar consigo mesmo, mesmo que não consiga expressá-lo em palavras, mas que reflete na jornada de sua vida, na caminhada cotidiana onde vai deixando suas pegadas, agora também digitais. A Internet é a rua do mundo, onde agora a sua vida se desdobra em verso e metaverso.

Freud dizia que uma pessoa com boa saúde mental é aquela capaz de amar e trabalhar.

Ser capaz de amar (e ser amado, se possível) e trabalhar (no que gosta, de preferência): dois bons sinais de que as coisas estão caminhando relativamente bem. Seja no presencial, no remoto ou no híbrido. Acompanhado ou solitário. Aterrado ou na nuvem. Rastreado e filmado pelos algoritmos de Inteligência Artificial, talvez monitorado por softwares de tracking, checando se você está online, produzindo...no lar, ops, office.

A Psicanálise está em alerta e operante, ajudando as pessoas a se posicionarem neste novo mundo, nesta nova civilização virtual. O Brasil é o país mais ansioso do mundo e o mais depressivo da América Latina. A saúde mental entrou na pauta de empresas e trabalhadores, pois ansiolíticos e antidepressivos passaram a fazer parte do vocabulário cotidiano. Não raro eles estão na nécessaire ao lado de batom e fio dental. Eles são peças importantes para se atravessar uma crise, uma fase e em alguns casos, a vida toda. Devem sempre ser prescritos por médicos habilitados mediante avaliação criteriosa . Porém, é sabido que eles tratam dos sintomas e não necessariamente das causas dos sofrimentos.

Há que se buscar os atores principais da existência, os que nos movem em direção ao que viemos fazer e produzir enquanto amamos e trabalhamos relativamente bem como Freud citou. A Psicanálise tem se mostrado um ótimo caminho nessa busca.

E então, Homo Office Digitalis? Pronto para se haver com o seu desejo e o protagonismo da sua existência? Lidar com o mágico, o ordinário e o trágico da vida, com mais saúde mental?


Artigo publicado na Band Campinas em 16/02/2023 • 09:17

https://www.band.uol.com.br/band-multi/colunistas/os-nos-da-mente/do-homo-sapiens-ao-homo-office-digitalis-a-transformacao-digital-a-domicilio-16582833


segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Ushuaia - Viagem ao fim do mundo em 2 rodas - dez/2011 a jan/2012



APÓS 6.000 KM RODADOS, MINHAS 10 LIÇÕES APRENDIDAS:

1. TUDO O QUE PRECISO ESTÁ DENTRO DE MIM: passei frio, calor, tomei chuva, tive dores, coceiras, medo de cair e medo do vento. A única opção era seguir em frente. Manter a serenidade e paz interior independe do que está acontecendo no mundo externo. Tudo o que preciso está dentro de mim. O que é de fora só me abala se eu assim o permito.
2. O QUE EU SOU INDEPENDE DO QUE EU PAREÇO SER: Passei 15 dias com as mesmas 2 roupas. Limpas, porém, as mesmas. Sem esmalte, com a cutícula parecendo uma couve-flor, com a pele queimada pelo frio e descascando, os cabelos secos de manhã e oleosos à tarde devido ao capacete, embaraçado e quebrado por causa do vento. Sem bolsa, no começo não sabia nem onde colocava as mãos, se punha nos bolsos, se deixava soltas...parece bobagem, mas para uma mulher, é um exercício de desapego e tanto. Experimente sair para jantar com a calça suja , o cabelo oleoso e a blusa molhada de chuva e não sentir nem um pouco de vergonha. 
3. QUANDO AS COISAS NÃO ESTÃO SAINDO DA FORMA PLANEJADA, CONTROLE-SE: quantas vezes quando chegava em alguma cidadezinha e não achávamos hotel, eu, suada, cansada, com o saco na lua, queria culpar o piloto, tipo: “tá vendo no que vc me meteu? “, até eu me lembrar no segundo seguinte de que estava lá por livre e espontânea vontade e que ele tanto quanto eu, estava suado, cansado e com o saco na lua. Na nossa vida cotidiana, profissional, é assim também! Quando as coisas apertam, o impulso do ser humano é arranjar um coitado pra descontar a frustração ou colocarmos a culpa!
4. SEMELHANTES ATRAEM SEMELHANTES: como disse o nosso amigo Osvaldo Coni: “Este é o tipo de viagem que não se explica - para quem gosta de moto, não precisa explicar; para quem não gosta, não há explicação que baste". Todos de moto na estrada , se cumprimentam. Muitas vezes param para conversar como se fossem velhos amigos. A forma de puxar assunto sempre é a mesma. Por trás disso, há o inconsciente coletivo que rotula: “ se o cara gosta de moto, deve ser um cara legal” . Assim também o fazemos na vida. Gostamos de nos aproximar das pessoas que tem os mesmos gostos que nós, que são da nossa tribo. E algumas vezes achamos os outros caretas por jamais se arriscarem num negócio desses, esquecendo que eles por sua vez, podem ter as próprias tribos e nos acharem loucos. A rotulagem quase sempre é totalmente sem fundamento.
5. ARGENTINOS SÃO LEGAIS: Como boa brasileira, eu engrossava o time dos que suspeitavam dos hermanos. Isso se deve muito à rivalidade no futebol e assuntos afins. Contrariando todas as previsões, fui muito bem tratada em TODOS os lugares por onde passei, em todas as interações humanas que tive, com pessoas de todas as classes sociais e etnias. Mais do que tratar bem, a maioria das pessoas vai além e supera expectativas. Não tive em momento algum MEDO de agressão, de ser assaltada, roubada, passada pra trás (coisas que talvez teria em viagem dentro do nosso próprio país). Não é porque tenho parentes lá e eles estão lendo isso também, mas eu mudei completamente de opinião, virei casaca mesmo. Argentinos são um povo maravilhoso.
6. O PODER DO AGORA: estar 100% no agora é o exercício mais desafiador. Estar e FICAR naquele momento único, vivendo aquilo com toda a intensidade e plenitude foi para mim o maior teste. A mente insiste em ir para o passado e o futuro. 
7. DESAPEGO DAS PESSOAS: quando o nosso filho diz que não sentiu saudades, significa que o que importa já está dentro dele (amor) e que sentir ou não saudades não tem nada a ver com amor. Isso vale para nós também. 
8. PESSOAS BUSCAM CONFORTO DURANTE 100% DO TEMPO E O RECLAMADOR PROFISSIONAL : se está frio, queremos calor. Se está calor, queremos frio. Se chove, queremos que pare. Se está seco, reclamamos do pó. Se, se, se, se....é muito fácil cair no ciclo de reclamações sem parar. E daí, virar um reclamador profissional, atraindo para si sempre mais daquilo que quer evitar. E assim continuar o ciclo de reclamações e frustrações, retroalimentando esta “doença” contagiosa que tanto mal faz às pessoas.
9. AGRADECER SEMPRE: pela oportunidade de poder fazer o que quero, à mãe e sogra que ficaram rezando todos os dias para não cairmos da moto, aos irmãos que ajudaram com o filho, a casa e os negócios, aos colegas de trabalho que tocaram os projetos em frente , à vizinha que cuidou dos cachorros nos finais de semana, ao filho que se comportou bem na casa dos tios, aos parentes que me receberam de braços abertos sem nunca ter me visto antes, por não ter caído, por não ter passado mal nenhum dia, por ter tantas bênçãos diariamente e capacidade de percebê-las.
10. ESTAR EM DIA COM A SAÚDE MENTAL, EMOCIONAL, ESPIRITUAL E FÍSICA: para viver plenamente todos os milagres, belezas, sensações, emoções, trocas, impressões, sincronismos do dia-a-dia. Não é preciso viajar para exercitar tudo isso. A grande viagem é conseguir fazer isso no dia-a-dia. 

segunda-feira, 18 de julho de 2011

CARTA A LA FAMILIA ARGENTINA





Esta es una carta de ficción, sin ninguna pretensión de reflejar la realidad de cualquier
persona, simplemente una percepción virtual de una observadora a millares de Km. de
distancia, obedeciendo el contacto superficial posible entre los límites actuales de la
tecnología.
Una vez, un pariente argentino (Pepe) me dijo que en un determinado momento de la vida las
personas despiertan interés por sus orígenes, por este motivo el hacia cuestión de hacer
algunos registros como fotos o actos para que sus descendientes tuvieran acceso en el futuro.
Sería como un “click “mental y emocional que de repente nos despertaría la curiosidad y
respeto por los que vinieron antes que nosotros.
Confieso que hasta hace muy poco tiempo, my interés se restringía a abuelos maternos y
paternos y sus descendientes directos, con el objetivo de honrarlos e aceptarlos en el lugar
que tienen en la familia.
Sabiendo que había familiares en Argentina tome contacto con un muchacho Argentino y me
di cuenta que allí hay más personas de la familia Uehara que en Japón o Brasil.
En el país vecino hay mucho movimiento, color y alegría .Hay hombres y niños con nombres
que comienzan con KIYO…, de la misma forma como les gustaba a nuestros ancestrales. Hay
personas que trabajan con flores, hacen Origami, estudian física, danzan Odori, comen locro y
chinchulín… Otras todavía están estudiando Ingeniería en Sistemas… y practican Arco y
flecha….
Encontré hermosos bebes de 5a generación, con sus chupetes que eran la alegra de los hogares
Cuadros de Fútbol multicoloridos , uno de ellos con el sugestivo nombre de Japoneses F.C., Taikos,
haciéndose eco en todas las direcciones.
Personas que gustan de Charly Garcia y otras que son “cosplayers; algunos gustan de Linkin
Park e muchos juegan Cityville
Personas que celebran y disfrutan de la compañía de las  tías Gemelas y ellas me parecen tan
familiares como si yo ya hubiera estado en sus casa, tomando café, comiendo torta y oyendo
sus sabios consejos
Yo no sabía que había, Adriana, Carina y Elena Argentinas, así como nosotros tenemos
Adriana, Karina y Helena Brasileras
Aprecio los nombres como Florencia, Federico, Nicolás y Juan, tan diferentes y con una sonoridad
bellísima con la cual mis oídos no están acostumbrados y que exigen de mi una “R” en lugar de “ J”.
En Buenos Aires hay mujeres elegantes , discretas de gustos selectos , amantes de la
naturaleza, viajes fotografía de las memorias ; son mujeres muy inteligentes y que no se
amedrentan frente a lo que consideran incorrecto o deshumano. Algunas salen en defensa de
los más débiles o oprimidos pero con delicadeza y sin violencia.
Admiro a una mujer que conto la historia de la inmigración Okinawana en Argentina, atraves
de un álbum de Familia. Con este trabajo pude viajar a lugares desconocidos y estar con
personas que nunca vi. Me enorgullecí de Tíos Abuelos sin nunca haberlos conocido o
escuchados sus historias.
Las mujeres de Buenos Aires hacen justicia a la descendencia. Honran a ese anciano exentico,
de aire intelectual que por lo visto era muy inteligente.
Veo personas que sienten añoranzas de sus antecesores así como nosotros tenemos de
nuestros seres queridos. También yo de repente tuve añoranzas de esas personas que nunca
conocí; imagino lo que fueron, lo que podríamos haber conversado se nos hubiéramos
encontrado personalmente.
Veo niñas que ganaron el mundo en un intercambio de culturas, colores , sonidos ; lindas
corajosas, niñas que hoy son ciudadanas del mundo en una tierna edad...Argentinas?
Mejicanas? Australianas? No sé decir… el mundo quedo pequeño. Nuestros abuelos y
bisabuelos demoraron 45 días para hacer el gran viaje de barco, y ahora cruzamos todos los
continentes en cuestión de horas
Hoy somos la personificación de un sueño Americano colectivo, sonado por un grupo de
hermanos a casi 100 años atrás. Hoy tenemos cada un nuestros propios sueños y sabemos que
tenemos algo en común. Respeto y admiro a aquellos que nos precedieron. Si fuéramos
personajes de García Márquez ( en mi imaginación todo es posible ) Creo que nuestro libro
tendría el titulo “Cien años de Realización”.

Traduzido por Elina Bruni, nascida em Buenos Aires e atualmente morando em Campinas/SP/Brasil

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

CARTA A TORAO




















O que sei de você é pouco e muito. Pouco se acumula no mental e muito se acumula na alma. O que eu gosto de você ocupa um grande espaço em mim, inunda meus pensamentos e me oferece um contentamento que tem se intensificado como uma bola de neve lutando para sobreviver com a proximidade do verão. O pouco que sei, não quero apagar. O pouco que ouço, não quero sufocar.

Sem memória visual,


apenas espiritual.

Sem você eu não seria eu, nesta forma e conteúdo.


Você para mim é palavras + fotos + sentimento.

Não me lembro do seu colo, rosto ou jeito. Não me lembro de como eu me sentia na sua presença. Não me lembro de sorrisos ou lágrimas, voz fina ou grossa. No filme de minha cabeça não tem movimento ou cor. O que sei de você é o que imagino e o que ouço falar. Espero que o resultado disso, seja digno de você.

E esse NÃO SABER me incomoda, como me incomoda pensar que você sofreu. Sim, pois o que ouço falar é de uma vida sofrida. As palavras vagas que ouço me chegam úmidas de lágrimas que foram choradas um dia no seio familiar. As fotos que vejo, mostram semblantes sérios . Poucas imagens, muita imaginação.

Sabemos que quando você nasceu em 13/11/1.890, seu pai Seisichi era quase tão criança quanto você, ainda era menor de idade. Sua mãe Matsu, uma jovem trabalhando numa casa de família rica, engravidou tão precocemente que não consigo imaginar a repercussão numa época em que os costumes eram tão mais conservadores que hoje. Como terá sido a sua infância , filho de jovens solteiros em pleno século XIX? Quais eram seus sonhos de criança, adolescente e jovem?

O que você sentiu quando seu pai lhe pediu para viajar para o outro lado do planeta? Que carga emocional e responsabilidade você carregou além das malas? No que você pensou nos 45 dias de viagem que o separava da segurança do conhecido do medo do desconhecido? O que será que você sentiu ao pisar pela primeira vez no Brasil? Você estava inseguro? Estava com medo?

Ah, eu não sei e talvez nunca saberei. As fontes de informação estão se esgotando e eu sinto tanto não saber mais da sua história, mesmo que contada como um filme ou novela. Saber mais de você é saber mais de mim. Quando os mais velhos da família estavam com a memória mais vívida, eu era muito jovem e não me interessava pela sua vida. Agora que há poucas fontes vivas para consultar, tenho sede de saber. Espero que compreenda e tenha para comigo a paciência e bondade que os avós tem pelos netos.
Resta-me então , no início deste 2.011, o desafio de juntar pedaços que coletei, com o que imagino que tenha sido. Isso me dá o álibi de escrever a história à minha maneira.

Na minha história, você não sofreu. Você viveu com a família de sua mãe até os 8 anos, quando então, a família de seu pai o acolheu. Seu pai , casou-se posteriormente e teve mais 8 filhos...você por sua vez, casou-se com Uta, e por vários anos não conseguiram ter filhos. Um dia, juntando a necessidade de sair de Okinawa pela dificuldade reinante na ilha, com a previsão de uma vidente de ter muitos filhos no Brasil, você decidiu vir. Uta esteve ao seu lado e como precisavam imigrar em no mínimo 3 pessoas, você trouxe seu pequeno irmão por parte de mãe, Koshin, de 16 anos junto. Mais de 50 dias depois do embarque, quando seus pais e irmãos lhe acenaram no porto, chegou feliz e sorridente, com esposa e irmão à tiracolo, mala pequena com o suficiente para começar uma vida promissora. Buscou logo juntar-se aos conterrâneos que o precederam na trajetória.

Você não sofreu com o idioma, com o calor, com a pobreza e dificuldades dos primeiros tempos. Você ficou feliz quando seu irmão Kiyomasa veio para cá ao seu chamado e também não se incomodou quando ele decidiu ir para a Argentina em 1.922. Também não ficou com ciúmes quando todos os outros irmãos que tinham ficado em Okinawa decidiram ir para lá também, cada um no seu tempo (Kiyoji, Seizen, Kiyotomi, Nabe, Seitake e Kiku), permanecendo na terra natal, apenas sua irmã Matsu. Você ficou feliz por eles e lhes desejou boa sorte como bom irmão mais velho que era, sem no entanto deixar de preocupar-se com eles, afinal, era o seu papel. Mesmo sendo um meio-irmão, sua ligação com eles era por inteiro. Se tudo não saiu como o seu pai previa, podia ser até melhor com os novos rumos que as coisas tomavam.

Na minha história, você ficou aqui e arregaçou as mangas para com o seu próprio trabalho e suor, iniciar uma vida do zero. Abraçado à sua esposa, sua companheira de viagem e de vida, você encarou os fatos como eles eram e agradeceu pela oportunidade. Sentiu saudades da terra natal, lamentou não poder nunca mais ver seus pais e irmã que ficaram torcendo por você do outro lado do mundo e mesmo assim, sentiu-se um homem de sorte.

Tratou de ser o mais feliz possível nesta terra onde felizmente o calor humano supera o calor do sol. E ficou feliz quando nasceu seu primeiro filho brasileiro (Seitaro) em 1.921. Se ele dormia num berço ou numa caixa de madeira, não fazia a menor diferença, era o seu filho. E o que tinha de melhor em sua vida, você iria dar a ele, como um bom pai que era.

O tempo passou e outros 4 filhos vieram (Kiyoko, Haruco, Shigeru e Akira), para a alegria de todos e confirmação da previsão. E isso tudo selou definitivamente o destino de nunca mais sair do Brasil. Quando tudo ia bem, os filhos crescidos, alguns deles casados e iniciando famílias próprias, você teve uma surpresa no ano de 1.957: havia deixado um filho em Okinawa, o primogênito Seikiti. Um filho antes de seu casamento, uma repetição da história de seu próprio pai.

Na minha história, independentemente das circunstâncias, você ficou surpreso. Afinal, tinha sido um romance de uma noite só e você não imaginava esse desdobramento. No meio da montanha russa emocional, aproveitou a ida de um conhecido a Okinawa e pediu-lhe que procurasse esse filho e lhe trouxesse notícias.

Elas vieram em forma de uma gravação, um depoimento triste e emocionado de um filho que nunca conhecera o pai. Você reuniu a família, e todos escutaram a história do irmão desconhecido que vivia distante. Você ficou sem saber o que sentir e surpreendeu-se sentindo saudades daquele filho nunca visto. Sentiu amor misturado com remorso e culpa, mesmo sabendo que não procedia. Afinal, você não podia imaginar. Mas sempre, o coração sente primeiro, o que a mente tenta depois entender e por vezes, não consegue.

É verdade que seu filho sofreu a dor que os filhos sem pai presente sofrem. Seu filho foi criado por outro pai e naquela época, não era fácil viver uma história assim. Você chorou em silêncio pensando no filho que sofria. Acho que tanto você quanto ele gostariam de ter se conhecido, mas imagino que não tenha sido possível por motivos que agora não sabemos e também não fazem mais diferença.

Entre este etapa e o término de sua vida terrena, está uma das fases que imagino como dolorida e introspectiva. Mesmo na minha história, não posso mudar isso. Os relatos que temos é de tristeza e depressão, mas eu me recuso a reforçar esta idéia. Eu não quero pensar em você bebendo muito, primeiro em garrafas, depois em garrafões e depois em barris. Eu quero pensar que você sentiu saudades do filho desconhecido. Sentiu não poder ter proporcionado a ele, o mesmo que proporcionou aos demais. Sentiu não tê-lo acolhido em seus braços, acompanhado sua infância e juventude. Sentiu não conhecer seus netos e bisnetos.

Por isso hoje entendo a singularidade que cada filho representa. A presença de seus 5 filhos e netos não era suficiente para aliviar a ausência do filho que ficara só em outro país. Cada filho é único e o espaço vazio dentro de você foi preenchido da forma que pôde.

A mim não cabe julgar ou especular. À sua maneira, você fez o máximo que um imigrante pode fazer em solo estrangeiro. Suas raízes estão firmes aqui e seus descendentes, sentem-se brasileiros e japoneses ao mesmo tempo. A mim cabe honrá-lo e agradecer.

Quero que saiba que temos orgulho de nossos antepassados, de nossa linhagem e história. Quero que saiba que mais do que isso, temos nos esforçado para nos conectar com os demais membros da família e que hoje temos contato com os nossos familiares em vários países, filhos, netos, bisnetos e tataranetos de seus irmãos e os seus próprios. E os filhos, netos e bisnetos de seu filho Seikiti, também o honra e agradece. Você viveu separado de seus irmãos e pais, mas isso não ocorre conosco agora, esta parte da história não se repete.

Quero que saiba também que dois de seus filhos brasileiros, Seitaro e Shigeru, foram a Okinawa conhecer o irmão Seikiti. Seu filho mais velho conheceu um pouco de você através deles, o que nos alivia o coração ainda hoje.

Quando você saiu de Okinawa em direção ao Brasil, não imaginava que sua história estaria viva por 5 gerações seguintes e que estamos nos esforçando para ensinar aos nossos próprios filhos os valores que você trouxe na bagagem da alma como um tesouro.
Onde você estiver, sorria, pois é assim que na fotografia da minha memória você estará eternizado. Em Okinawa está o Totome de nossa família, onde finalmente num único e sagrado lugar, Seishichi, Torao e Seikiti compartilham das orações, desejos e energia de seus descendentes ao redor do mundo.

• Torao Uehara faleceu em 25/03/1.969 em Campinas/SP/Brasil

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Cê Cedilha - amiga realmente imaginária



Você é a amiga que eu vejo em sonhos...
E quando acordo suada e assustada, fico feliz por você existir de verdade.
Que amiga tem o compromisso de pular janelas, sair em busca do mundo, correr atrás de sonhos que se sonham juntas? Quando somos adolescentes e fazemos parte de uma tribo, alguns sonhos são no coletivo...afinal, o futuro é só uma palavra, que designa muito tempo disponível...tão longe, tão distante...pra que pensar nisso, temos a vida inteira pela frente....
Quando precisei de um batom, um cd ou um colo quente, você sempre esteve lá.
Quantas e quantas vezes o mesmo espelho refletiu a nossa imagem juntas, nos preparando para as mesmas baladas?
Quantas e quantas fotos temos imortalizando flashs de uma vida sem compromisso?
Sim, eu acompanhei seus choros por namorados, sua vontade de ser feliz e suas palhaçadas homéricas, dignas de um Oscar. Você, por sua vez, agüentou as minhas bebedeiras e transgressões sem me censurar...
Sim, eu pedi que mentisse para a minha mãe quando viajei escondido. Você ficou firme, como boa amiga que é.
Para trás, o nosso papel está escrito com todas as histórias de adolescentes que fomos e de adultas que nos tornamos. Algumas palavras borradas com lágrimas que caíram por cima, mas em sua maioria, palavras em rosa com corações pingando os “is”...
Na memória do meu coração, a nossa história é cheia de cores, movimento e música!
Eu chorei, quando você foi morar no exterior. Senti uma saudade tão grande, que doeu por todos os anos em que ficou fora. Ao mesmo tempo, quis tanto que você fosse feliz lá ( mas bem que podia ser mais perto de mim)...também tive medo de você me substituir...mas que insegurança, como se cada amigo não fosse único...
Que amiga é capaz de usar um vestido feito com saco de farinha, recém costurado por mãos inábeis e inexperientes?
Que amiga é capaz de suportar tantas apresentações de candidatos a namorados? Tantos palpites na vida profissional e acadêmica? Tantos conselhos, nem sempre requisitados, mas que vinham mesmo assim?
Amiga é assim mesmo. Quer para a outra o que deseja para si. Incomoda-se em estar feliz se a outra não estiver. Abre mão de coisas próprias para proporcionar à outra, coisas impróprias...
Fico me perguntando sempre: “- O que falta para ela ser mais feliz? O que eu posso fazer a mais? “. Estou sempre tentando olhar no fundo dos seus olhos, para encontrar esta resposta. Se eu pudesse, mandaria buscar o melhor homem do mundo para te amar...o melhor emprego do mundo para te satisfazer...o melhor apartamento do mundo para te abrigar..., mas quando eu volto a mim, percebo, que esta é uma busca sua, uma luta diária pessoal em busca da realização dos seus desejos...quando ficamos adultas, alguns sonhos não são mais no coletivo....e o papel dos amigos é estar ao lado, apoiando, ouvindo, falando às vezes e calando em outras....o papel dos amigos é ser uma presença reconfortante, como um cobertor quente em dia de frio, uma presença que mesmo na ausência é sentida.
Meu papel é estar ao seu lado, sempre. Não à frente ou atrás, em cima ou embaixo.
Se você cair, eu te puxo pelas calças.
Se você escorregar, eu seguro o seu braço.
Se você subir, eu te empurro ainda mais.
Se você parar, eu ligo pra te aporrinhar.
Prometo que se o Brad ligar, eu dou seu telefone pra ele.
Também não me esqueço de incluir seu nome em minhas orações diárias e pontuais, quando a ocasião exige.
Por favor, fique por perto e me faça rir, sempre.
Obrigada pela sua amizade, obrigada por existir, obrigada por colocar mais cor e gargalhadas na minha existência! Sem você, minha vida seria mais cinza e mais monótona...!

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

CB - Amiga imaginariamente real



Ok, eu reconheço.

Você nunca me emprestou um batom.
Eu nunca lhe emprestei um cd.
Você nunca me passou cola.
Eu nunca lhe ensinei matemática.
Nós nunca nos maquiamos no mesmo espelho para irmos à mesma balada.
Você nunca me ligou de madrugada porque levou um fora do namorado.
Eu nunca pedi que mentisse para a minha mãe quando viajei escondido.
Você não foi convidada para o meu chá-de-cozinha, mesmo porque, não houve um.
Você não foi minha madrinha e nem sequer foi ao meu casamento.
Nunca chorei no seu colo, nem você no meu.
Não foi você quem me emprestou o secador de cabelos e aquele scarpin bicolor, nem com quem andei de moto sem habilitação.
Você não veio visitar o meu filho quando ele nasceu.
Eu não liguei para você parabenizando-a pela linda menina.

Eu admito.

Para trás, só um papel em branco sem letras, sem história.
Nunca houve um bolo de aniversário compartilhado, uma música para relembrar coisa alguma.
Para trás, só um vazio.
Não há fotos, não há vídeos, nem papeizinhos de bala.
Nenhuma pulseira trocada, nenhum caderno de recordações com poesias adolescentes, nenhum anel prometido.
Nenhum recado na geladeira: “Sua amiga ligou, pediu para retornar até as 22:00h”.
Para trás, só dois mundos diferentes e distantes.

Eu assumo.


Não há cores, não há movimento, não há música.
Fui perguntar ao Aurélio, e ele prontamente me respondeu:

Amizade
s.f. Afeição, estima, dedicação recíproca entre pessoas do mesmo sexo ou de sexo diferente: laços de amizade. / Amor. / Acordo: tratado de amizade. / Benevolência, favor, serviço: provas de amizade. / Simpatia de certos animais pelo homem: a amizade do cão pelo dono.

Ok, menos mal, nenhuma referência a tempo ou quantidade de conhecimento recíproco.

Eu reafirmo.

“... Por que que esta pessoa que eu não conheço está orando por mim ? Por que não estão orando por mim meus parentes, meus filhos, meus amigos?

Naquele instante ele percebe, o ser que está recebendo a prece, que realmente a amizade não está ligada aos elos biológicos, amizade é o amor sublimado, na sua mais alta essência divina. Amizade é o sentimento mais puro que envolve a terra. Amor e paixão passam em várias experiências reencarnatórias, mas, a amizade é a companheira de sempre, nas alegrias de sempre”

Bezerra de Menezes

Eu recuo.


Ok, eu tenho pressa. Sou poli-tarefa e multimídia. Peço desculpas verdadeiras. Não perguntei e fui fazendo. Parti de premissas não acordadas. Acelerei. Invasão MST = MOVIMENTO SEM TATO. Mais uma vez, me desculpe nesta e nas próximas vidas.

Eu volto atrás.

Largo o Aurélio, o Michaelis e a Wikipedia.
Opto pela aceitação de meu sentimento unilateral. Fico feliz do mesmo jeito. Sou fácil de me encantar com as coisas.

Vou dormir com esta aqui.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Conversa com um filho que ainda não nasceu

Querido filho, saudações celestiais!

Espero que onde estiver esteja bem, comportando-se e comendo verduras.
Como você sabe, estive no médico no ano passado e ele me disse que é melhor ter o primeiro filho antes dos 35 anos. Como eu estava com 29, achei que estava tranqüila, tempo suficiente para os preparativos e a encomenda. Você viu como seu novo quarto ficou? Gostou das cores? E os nomes que selecionei? Show de bola, heim? Combinei direitinho com o papai, começamos o treinamento, fomos pro oficial, jogamos quase todos os dias e nada de você aparecer!
Poxa, filho, já se passaram meses e você nem me dá sinal de vida?

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Oi filho, já se passou mais de um ano e nada de você aparecer em casa... Estou preocupada, cansada e com medo de que você não venha. Mas como não temos muito mais tempo, vou direto no ponto (desculpe-me, mas preciso ser objetiva): estou tomando umas injeções muito doloridas (e caras) , fazendo ultrassonografia, esforçando-me muito...faço tudo o que o médico orienta.
Você está com medo de eu não ser uma boa mãe?
Ah, deve ser isso então. Ok, vou abrir o jogo com você. Quando eu for sua mãe, realmente não vou querer toalha molhada na cama e ai de você se deixar o shampoo destampado. Também vou controlar sua mesada e quem são os seus amigos. Vou vigiar o seu Orkut e limitar horários para o MSN. Ok, não sou tão chata assim...Também me programei para pescarmos juntos, estou aprendendo a fazer umas panquecas muito boas e prometo te ajudar na lição sem perder a paciência. Farei você dormir até o dia em que você não quiser mais (ou quiser dormir com outra pessoa). Também tenho uma boa dose de amor, carinho e atenção estocada só para você. Acho que provisionei tudo o que é necessário.

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Meu filho, vamos ter uma conversa séria: eu achei que tínhamos um acordo, cada um com a sua parte. Seu pai está engordando, não tem companhia para jogar bola! Ele está te esperando...Eu prometi a mim mesma que só iria andar na montanha-russa se fosse com você (ok, você não sabia disso, não é sua culpa...). Nossa casa é muito silenciosa e arrumada, precisamos que você venha logo para acabar com essa organização. Limpeza e ordem sozinhas, não trazem felicidade!
Você já tem quarto, nome, madrinha, poupança, enxoval, o que mais está faltando?
Ok, já entendi, você quer que depois da ejaculação eu erga os pés para cima por 40 minutos...Posso até ficar de ponta-cabeça, se você me prometer que é a última exigência. Ah, esqueci de comentar, estou medindo a temperatura corporal três vezes por dia.

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Ok, eu confesso. No meu plano materno, você só ia ter mesada após os 20 anos (quando não precisasse mais); ok, concordo em antecipar este item em 15 anos. Com 5 anos você começa a ter direito. Mas lembre-se sempre de que não sou sua amiga, heim, sou sua MÃE!
Mas por favor, pare de me fazer chorar todos os meses...a cada menstruação é como seu eu recebesse um SMS seu dizendo que não vem mais para casa...!

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Já se passaram mais de dois anos de nosso primeiro combinado. Filhinho, por favor, eu imploro:
a) Veja a sua caixa de entrada, deve ter uns 500 e-mails meus
b) Deixe o celular ligado, não consigo falar com você...esse negócio de vibra-call é para as futuras namoradas, não para a sua mãe!
c) O que mais posso fazer para você vir para casa?

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Ok, 3 anos de espera já é demais. Agora chega. Quero que o senhorito esteja em casa até as 22:00h e isto é uma ordem. Seu jantar está esfriando e não sou obrigada a ficar acordada te esperando. Venha logo e lembre-se: se beber, não dirija.